Eps. 05 e 06 do podcast Chapação Maquínica

07 maio, 2023


Estão no ar mais dois episódios do Chapação Maquínica, sobre luditas, neoluditas, desemprego tecnológico, a fase maquínica da uberização e por que nem tudo está perdido (muito pelo contrário!).

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Ep. 05 - https://soundcloud.com/horazul-814732609/chapacao-maquinica-e5-luditas-e-neoluditas

Ep. 06 - https://soundcloud.com/horazul-814732609/chapacao-maquinica-e6-desemprego-tecnologico-e-uberizacao

"isso vai dar repercussão"

06 maio, 2023

Isso vai dar repercussão (2004) é o título de um álbum do percussionista Naná Vasconcelos e do cantor, ator, baixista, compositor e poeta Itamar Assumpção. Pequena joia da genialidade negra brasileira. Ou, como diria um outro projeto de Itamar, joia da genialidade Pretobras.

Acabei me lembrando desse álbum - e vou levar seu título de "arrastão" para esse post. Vocês já vão entender o porquê.

Arrastão era a estética que Tom Zé reivindicava em Esteticar, faixa de Com defeito de fabricação (1998) - o álbum que me deu o dom de conhecer sua música no início dos anos 2000. Coincidência ou não, esse álbum explorava a possibilidade de os humanos se tornarem androides, mas defeitos "genéticos" - como o desejo de dançar - talvez pudessem impedi-lo. É o tema da sobrecodificação, do capitalismo mundial como força de organização de uma semiótica mista que afeta, conforma e conflagra territórios  existenciais. O álbum foi produzido, entre outros, por David Byrne - que poucos anos antes, havia descoberto Estudando o samba (1976) [Playlist], de Tom Zé, num sebo carioca, e mais tarde ajudaria a tirar Tom Zé tanto do ostracismo quanto da penúria.


Mas, cutting right to the chase, tudo isso importa porque esse post é quase um autoplágio - prática que é condenada e celebrada hipocritamente nos meios acadêmicos. Porque os que mais condenam o autoplágio são os que mais se autocitam.

Parece errado levar de arrastão uma coisa de si mesmo. Não é uma violação da lei da inovação, mas um ódio à própria possibilidade de repetir. E o paradoxo está precisamente aí:

- Nada de autoplágio. Esquentou a marmitinha de ideias uma vez, come logo. Está proibido requentar;

- Autocitação, tudo bem, mas moderadamente.

- Republicações, quem quer saber? (Spoiler: eu quero. Porque elas me dizem como um conjunto de ideais circula no regime de nonrivalry da informação).

Esse é um dos sistemas mais malucos que existem, o acadêmico. Porque impede de perseguir sadiamente aquilo que é a força do nosso trabalho: a obsessão. Impede que a pesquisa seja, também, uma clínica de si mesmo e dos outros. A força de obsessão é uma certa ideia fixa. Não era o narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas quem rogava: "Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa!"?

Uma ideia fixa nunca é uma ideia, e jamais é fixa. Ela esconde uma pluralidade de repetições discretas, íntimas, imperpectíveis. Uma série de deslocamentos insensíveis, de reviravoltas na maneira de perceber e de colocar problemas. Uma ideia fixa contém inumeráveis repetições capazes de fazer diferença (essa não era a definição de informação para Bateson? "Uma diferença que faz a diferença?").

Mas, claro, os sacanas das boas maneiras editoriais vão nos impor ler x, y, w, z, fazer todo um escarcéu da literatura secundária, inventar um cânone ali onde ele sequer existe como tal - e, talvez, até bendizer as repressões intelectuais, os quadradismos e o culto das formas científicas porque - sem o saber -, elas produzem fugas e deformidades que podem de fato se revelarem maravilhosas! Isso, é claro, quando não produzem mais do menos - o que, reconheçamos, é o mais frequente. É a doença de todo dia. O nome da patologia é "diferença que só produz repetição" (autocitação autolaudatória). A saúde - preciso dizer? - é o exato oposto (autoplágio, divergência no arrastão de si).

Mas por que divago?

Porque quero compartilhar alguns links com vocês. Celebrar a repetição em rede, que arrisca produzir mais com menos. São links para dois textos que vocês já conhecem:

A Edição n. 66 da Lugar Comum (UFRJ) acabou de republicar:

1. Chapação maquínica, alucinação estatística: pensar com o Chat GPT;

2. A entrevista com Bruno Cava, Carol Salomão e comigo, saída no IHU.

É um número, muito para além disso, fenomenal em si mesmo. E destaco (entre outros) os textos de Bárbara Szaniecki, o núcleo temático sobre IA - textos de Mathieu Corteel, Bruno Cava e Lucio Mello -, e o texto de Yann Moulier-Boutang sobre A grande demissão. E tem muito mais coisa nesse número que contou com o trabalho editorial da Carol Salomão.

Mas o mais interessante - e voltamos ao título desse post -, é como essa entrevista tem repercutido em meios de trabalhadorxs organizadxs e meios universitários muito heterogêneos para nós e entre si.  Até agora, isso (Ça?) "deu repercussão" no:

- Fórum Acidentes de Trabalho da USP-UNESP;
- Centro de Estudos Estratégicos da FioCruz;
- Democracia e mundo do trabalho em debate (pesquisadores independentres);
- Fetraconspar (Federação dos trabalhadores da Ind. e Com. do Paraná);
- Nova Central Sindical de Trabalhadores do Estado do Paraná; além, é claro, do IHU (Unisinos), a que somos muito gratos.

Então, podem escolher o link mais ergonômico para ler essa proliferação que, "logo menos", também chega na forma dos eps. #5 e #6 do podcast Chapação maquínica. E aproveitem para se perder entre as navegações do n. 66 da Lugar Comum.

Até lá, ou até logo ali!

Inteligência Artificial e lutas sociais: trabalho e novas tecnologias

02 maio, 2023



Ontem, no dia Internacional do Trabalhador, o Instituto Humanitas (Ihu, Unisinos) publicou uma longa entrevista com Bruno Cava, Caroina Salomão e comigo, Murilo Duarte (aka Murilo Corrêa, ou como queiram, kkkk) sobre novas tecnologias, inteligência artificial e as lutas sociais, especialmente sua reconfiguração no campo do trabalho.O trabalho jornalístico é de Patricia Fachin e João Vitor Santos.

Os links de acesso estão abaixo, seguidos de um teaser escrito por Patricia e João Vitor.

* Link 1: <https://www.academia.edu/101110386/Novas_tecnologias_e_lutas_sociais_IHU_entrevista_com_Bruno_Cava_Carolina_Salomao_e_Murilo_Duarte>

* Link 2: <https://www.ihu.unisinos.br/628277-como-as-novas-configuracoes-tecnologicas-reconfiguram-as-lutas-sociais-uma-questao-para-refletir-no-dia-do-trabalhador-entrevista-especial-com-bruno-cava-carolina-salomao-e-murilo-duarte>

 

Como as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras serão transformadas com a incorporação da Inteligência Artificial – IA no mundo do trabalho é o "x da questão" a ser investigado neste momento em que a aceleração tecnológica tem modificado não só o trabalho, mas também diversas esferas da vida humana. "Essa é a pergunta que menos temos ouvido ser formulada a respeito da incorporação massiva das tecnologias de IA no cotidiano das atividades, que incluem o trabalho assalariado, mas, evidentemente, se referem a horizontes muito mais amplos de ação. Para nós, a questão de fundo de toda essa discussão é renitente: como compreender as condições em que já estamos de tal forma que essa compreensão sirva para articular lutas, para reconhecer as transformações por que passam hoje, e por onde as lutas escoam nessas novas condições. Isto é, como as novas configurações tecnológicas reconfiguram as lutas, e como as lutas podem avançar por sua vez reconfigurações do presente", sublinham Bruno Cava, Carolina Salomão e Murilo Duarte, integrantes do podcast Chapação Maquínica, na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Neste 1º de maio, Dia do Trabalhador, os pesquisadores refletem sobre os efeitos da aceleração tecnológica no mercado de trabalho e propõem uma terceira via de olhar para esta realidade, em contraposição aos dois polos do debate: o "deslumbramento-diurno-iluminista", apregoado "por vertentes progressistas eufóricas que não enxergam futuro nas lutas dos trabalhadores que não estejam alinhadas às tendências industriais e pós-industriais", e o "depressivo-noturno-romântico", "ocupado por críticos românticos ou antimodernos, que desde as fornalhas da revolução industrial vaticinam criaturas monstruosas e moinhos satânicos tomando o lugar dos seres humanos e suas relações concretas". Essa polarização, pontuam, "própria da modernidade, funciona como um transtorno ciclotímico: o primeiro momento tecnutópico da adesão incontida ao desenvolvimento das tecnologias é seguido pelo momento tecnofóbico, marcado pela percepção agônica e a sensação de dilaceramento ante perturbações e mazelas técnicas".

Outra via de examinar o impacto das máquinas no mundo do trabalho, asseguram, consiste em recolocar o problema, uma vez que os dois polos "tropeçam na mesma pedra". "O problema não está, propriamente, nas tecnologias em si (meios de produção), mas no sistema de organização da sociedade e do trabalho (modo de produção), que compele as máquinas a serem dispostas em oposição ao humano, ou seja, voltadas a comprimir os salários e aumentar a taxa de exploração por meio do mais-valor relativo". Outra parte da abordagem do problema, acrescentam, "depende de políticas públicas desenhadas para amparar os trabalhadores sem as mesmas condições de adaptação, políticas voltadas a compensar os desarranjos estruturais, com a redução da jornada de trabalho e mais direitos".

Se, no futuro próximo, reiteram, os empregos desaparecem numa "velocidade impossível de ser acompanhada por políticas públicas de requalificação do capital humano", será fundamental investir em políticas de renda. "A aparente parada econômica, seguida do que Giuseppe Cocco chamou de sua 'aceleração algorítmica', que vimos acontecer durante os lockdowns da pandemia de covid-19, mostrou que não estamos nem um pouco preocupados com o trabalho, mas com a renda. Ela é a questão transversal que atravessa as lutas do século XXI, que continuam a ser um conjunto de lutas biopolíticas num meio tecnopolítico, em que vida e técnica se atravessam, constituem e bloqueiam mutuamente", concluem.