A criação e o esquecimento: a partir de Carl Schmitt

29 janeiro, 2010


(Como criar uma esponja de Menger-Spierpinski em quatro passos: esquecimento e multiplicidade)


Lembro-me de que em Schmitt há uma passagem um tanto estranha. No primeiro escrito sobre Teologia Política, de 1922, Schmitt, ao buscar reabilitar a decisão como ato fundador e conservador do direito, acaba por encontrar uma forma que não admite uma decisão:
  
“No significado autônomo da decisão, o sujeito da decisão tem uma importância autônoma ao lado de seu conteúdo. Para a realidade da vida jurídica, depende de quem decide. Ao lado da questão da exatidão substancial, coloca-se a questão da competência. Na contradição de sujeito e conteúdo da decisão, e no significado próprio do sujeito, se encontra o problema da forma jurídica. Ela não tem o vazio apriorístico da forma transcendental, pois ela surge, justamente, do aspecto juridicamente concreto. Ela também não é a forma da precisão concreta, pois esta tem um interesse finalista/teleológico impessoal, essencialmente pragmático. Enfim, ela também não é a forma da configuração estética, que não conhece uma decisão.(SCHMITT: 1922, p. 32-33)

A forma da configuração estética não conhece uma decisão. Como? Quando? Por quê?... Escuto ressonâncias em dois conceitos de Deleuze – porque é evidente que não se pode limitar essa forma de configuração estética à arte, da mesma forma que não se pode limitar as possibilidades da arte a uma forma de configuração estética – em devir-imperceptível e em criação, que nunca foi prerrogativa de um deus transcendente, mas obra de uma variação contínua no seio da natureza, como em Bergson ou em Spinoza. Nancy, por outro lado, teria algo a nos dizer quando fala em désoeuvrément, em inoperosidade, em comunidade, ou sociedade, sem-obra? E Agamben, ao tomar os conceitos de dispositivo e de desativação? Mas desativar um dispositivo, profanar um uso canônico, não são ainda algo da ordem de uma criação (em sentido deleuziano, embora cada um desses conceitos seja absolutamente irredutível ao outro)? Profanar, devolver ao livre uso dos homens, atribuir um novo uso... são questões em que entram em jogo a ruptura e o novo. Então, ficaria com esses dois conceitos, ambos procedimentais, ambos uma questão de velocidade: devir-imperceptível, no qual não há qualquer segredo, porque se devém todo mundo, e criação – que, segundo Nietzsche, não é somente o que se faz, mas o que se desfaz, aquilo que se pode destruir e aniquilar ativamente – afinal, a própria vida está imersa em toda essa crueldade. Essa crueldade destruidora, destituidora, é a própria vida: o ser também é esquecimento.