Nas últimas páginas de A alma e o corpo, conferência originalmente proferida na Société Foi et Vie, em 28 de abril de 1912, e mais tarde publicada em L’Energie espirituel (1919), Henri Bergson, após afirmar o que já dizia em Matière et memóire (1896) – que a consciência é memória –, toca no tema da sobrevivência da consciência – e, por extensão, da memória – após a morte. O tema da conferência de pouco mais de trinta páginas é a crítica bergsoniana à metafísica racionalista que induzira, de uma relação entre mente e corpo, uma supremacia do corpo sobre a consciência, a alma, chegando à conclusão, segundo as experiências da vida do espírito, mas também com base em conhecimentos de patologias clínicas, como a afasia progressiva, de que não se pode afirmar cientificamente senão a relação entre alma e corpo.
Sobre a crença razoavelmente corrente de que a consciência extingue-se com a desorganização do corpo, Bergson parece optar pela defesa de sua sobrevivência, afirmando que “a vida mental transborda da vida cerebral” e que “o cérebro limita-se a traduzir em movimentos uma pequena parte do que se passa na consciência” – certamente não o pensamento puro, mas uma espécie de atenção à vida, à ação prática e ao futuro imediato, que só extrai do passado (subconsciente) aquilo que se afigura útil para a ação concreta.
Negando que a vida do espírito possa ser considerada, portanto, um mero efeito da vida do corpo, Bergson diz que o ônus da prova caberia antes a quem nega a sobrevivência da consciência após a morte orgânica, isto é, após a desorganização do corpo, do que àqueles que a afirmam; “pois a única razão para acreditar numa extinção da consciência após a morte é a que vemos o corpo desorganizar-se e essa razão deixa de valer se também a independência da quase totalidade da consciência em relação ao corpo é um fato contestável”.