Moebius, direito e indeterminação

05 março, 2010




Em um tempo em que o direito entrou em uma zona de completa indeterminação com os fatos, em que lei e transgressão perderam todo o sentido - pois nas sociedades de controle nenhuma conduta pode passar-se do jurídico -, a Banda de Moebius pode ser entrevista como o diagrama que sintetiza toda a experiência jurídica possível no mundo atual. O que está dentro? O que está fora? Não há mais fora ou dentro, não há mais regra ou exceção. Walter Benjamin já predisse, na Oitava Tese sobre o conceito de História, que "A tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é, na verdade, a regra geral". (BENJAMIN, Walter.Œuvres, Tome III, p. 473).
Segundo Giorgio Agamben, todos nos tornamos virtualmente matáveis (a vida nua tornou-se a norma), e já não há ação humana incapturável pelo direito, nem mesmo as transgressões - mesmo os desviantes são ainda normais sob a forma da exceção (etimologia: exceptio, "o que é capturado fora").  O desafio contemporâneo em pensar o direito passa, também, por pensar uma nova política, isto é, a possibilidade de uma ação humana incapturável pelo dispositivo disciplinar ou soberano; como quisera Michel Foucault, "Não é na direção do antigo direito de soberania que se deveria ir; seria antes na direção de um direito novo, que seria antidisciplinar, mas que estaria ao mesmo tempo liberto do princípio da soberania” (FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade, p. 47).
É tempo de pensar uma ação humana incapturável; uma criação tão veloz e potente que é como um devir-imperceptível; “Dir-se-ia que nada mudou, e, no entanto, tudo mudou”. (DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos, p. 148). Ainda nos falta constituir uma filosofia da vida impassível de captura pelo dispositivo jurídico e biopolítico, que possa escapar ao poder de morte soberano e, ao mesmo tempo, das disciplinas do corpo e das subjetividades. Falta-nos uma filosofia anti-platônica suficientemente potente para dispensar o Juízo de Deus: uma filosofia da  diferença que, assim como a própria vida que nos atravessa e anima - pois encarna o princípio de nossa heterogênese -, é pura imanência, é imanência absoluta (DELEUZE, Gilles. L'immanence: une vie... In: Deux régimes des fous, p. 359-363): uma exigência e um jorro indomáveis de criação.