Recentemente, e não sem alguns alaridos na mídia internacional,[1] uma Universidade brasileira, a Universidade Bandeirante de São Paulo, tornou-se conhecida após expulsar, ato-contínuo de breve sindicância, uma aluna do curso de Turismo sob o argumento de que a mesma ostentava condutas supostamente incompatíveis com o ambiente escolar – especialmente, pelo tumulto que a discente teria causado ao frequentar uma noite de aulas com um mini-vestido [foto]. O problema não deve ser reduzido à questão feminina; o que está em jogo nunca foi pura e simples questão de gênero, como se tem querido colocar. De fundo, o problema está em uma Instituição de Ensino Superior encampar como tarefa própria – e, para tanto, mobilizar estudantes, funcionários, professores – a efetuação de um policiamento moral; proceder à imposição de um comportamento padrão e instituir um “tribunal do juízo” a fim de excluir, de pronto, comportamentos desviantes. Discordo abertamente dos que dizem que o espaço escolar é um espaço de diversidade, e que, como tal, não pode dar-se a fazer comunidade. Trata-se de uma visão simplista da diferença – motor de toda a ontologia, de toda heterogênese. Há comunidade na diferença; diferenciar-se é, precisamente, o que possuímos em comum, sujeitos quaisquer. A humilhação sofrida não faz de Geyse Arruda uma vítima, tampouco a heroína de uma causa maior. Trata-se de algo muito mais singelo, essencial e delicado... « Ah, sim: as mulheres desejam! ». Esse é o real inultrapassável. A moral não passa de uma forma vazia, imaginária, evanescente. Não foi Deleuze quem nos alertara sobre o fascismo do desejo? Há momentos em que as instituições (a comunidade, a Universidade) axiomatizam o desejo, transformam suas possíveis fugas em linhas de abolição pura. Para lembrar Deleuze uma última vez, ele escrevera em sua monografia sobre Foucault: « não precisamos do homem para resistir ». A literatura de Jorge Luis Borges, (Deustches Réquiem In: O Aleph, 1949), mostrara que mesmo o nazismo não passou de um fenômeno moral, articulado em torno de uma modelagem de homem. Por fim, Nietzsche resumira tudo, em Genealogia da Moral: “Ah, a razão, a seriedade, o domínio sobre os afetos, toda essa sombria coisa que se chama reflexão, todos esses privilégios e adereços do homem: como foi alto o seu preço! Quanto sangue e quanto horror há no fundo de todas as ‘coisas boas’!...” (Nietzsche, F. W. Genealogia da moral, II, 3). Estejamos atentos para não lançarmos mão de um juízo moral para julgar a Universidade Bandeirante, ou a conduta de Geyse Arruda; isso seria perseverar no engano ao modificar, tão-somente, a sua polaridade. Para afirmar o desejo, bastaria uma conduta ativa; oxalá a conduta de Geyse seja, de fato, ativa, e não mero capricho. É isso que falta ao feminismo, como fenômeno moral, e à nossa moralidade ordinária de conforto e apatia: não mais negações, não mais simples reações contra fatos, mas mais e mais desejos; puros desejos: desesperados agenciamentos, loucos desejos de (um devir-) mulher.
[1] Repercussões internacionais: (1) New York Times (Estados Unidos): <http://www.nytimes.com/aponline/2009/11/08/world/AP-LT-Brazil-Short-Dress.html?_r=3>; (2) The Guardian (Reino Unido): < http://www.guardian.co.uk/world/2009/nov/08/geisy-arruda-expelled-brazil-mini-skirt?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter>