As atuais teorias do direito (VI): plano de organização do direito como decisão

21 dezembro, 2009



(A decisão: a cabeça de Hitler, a transcendência na imanência)


Eis para onde parece escorrer toda a teoria contemporânea do direito: fuga para o plano de organização do direito como decisão, de Carl Schmitt,  na indiscernibilidade entre fato e direito,  em um direito de soberania que reage contra a disciplina e, paradoxalmente, convive com ela em seu íntimo – e também nas regras de decisão, de racionalidade argumentativa, de procedimento e participação democráticas, nas regras e modos de arrefecimento de expectativas etc. A decisão de Schmitt pode não ser mais transcendental, nem mesmo um conceito teológico sacralizado,  como queria; mas o fato de a decisão schmittiana entranhar-se no real da soberania, na política, na vida dos homens sob a forma da ditadura ou da decisão sobre o Estado de exceção, é ainda forma de exercício de uma soberania que, encarnada na decisão de suspensão da ordem jurídica que mantém sua vigência e validade, volta a furar o plano de imanência, torna-se um objeto transcendente, põe-se como elemento organizador da ordem jurídica. Se pudermos operar uma redução brutal e irresponsável, poderemos afirmar que a mais marcante diferença entre o normativismo kelseniano e o decisionismo schmittiano consiste no conteúdo filosófico-político da norma fundamental: uma condição de cognoscibilidade transcendental, para Kelsen, e não uma norma, mas uma decisão concreta em sentido hegeliano (a um só tempo racional [ideal] e real), soberana, para Schmitt. A decisão sobre o Estado de exceção, a decisão soberana, não apenas suspende a ordem jurídica, mas, suspendendo-a, cria-se conceitualmente como um objeto transcendente: imanente ora ao sujeito que decide, ora ao instante da decisão – assim como o milagre (momento da intervenção direta) e o juízo de Deus são imanentes a algo = X; e X = “instante presente”, o momento fundador do tempo profanizado como uma figura degradada e imperfeita da eternidade divina de que falava Aristóteles. Portanto, a decisão schmmittiana nada tem de imanente, mas, como o próprio autor de Teologia Política reconhece ao afirmar que todos os conceitos de Teoria do Estado são conceitos teológicos secularizados, a decisão supõe que Deus não possa abandonar de todo o tempo histórico.