Algo grande demais para si: Deleuze e o álcool, por Daniel Lins

11 dezembro, 2009



[Imagens] - Dentre os comentários sobre a obra de Deleuze, o tema que trata de suas relações com o álcool é raramente abordado, para não dizer inexistente. Ora, ao longo de sua obra, Deleuze fala diversas vezes a respeito do álcool. Durante nossa discussão, dialogaremos, sobremodo, com três textos: a 22ª série da Lógica do sentido, o 2º capítulo dos Diálogos, e “B como Bebida”, do Abecedário. (Fonte: cpfl).
[L'Abécédaire Gilles Deleuze avec Claire Parnet]CP: (...) quando se bebe, isso não deve impedir o trabalho, mas é porque se entreviu algo que a bebida ajudava a suportar. E esse algo não é a vida. Aí há a questão dos escritores de que se gosta.  GD: Sim, é a vida.  CP: É a vida?  GD: É algo forte demais na vida, não é algo terrificante, é algo forte demais, poderoso demais na vida. Acredita-se, de modo um pouco idiota, que beber vai colocá-lo no nível desse algo mais poderoso. Se pensar em toda a linhagem dos grandes americanos. De Fitzgerald a... um dos que mais admiro é Thomas Wolfe. É uma série de alcoólatras, ao mesmo tempo que é isso o que lhes permite, os ajuda, provavelmente, a perceber algo grande demais para eles.
*Deleuze nunca incentivou, mesmo no maio de 1968, o uso das drogas e do álcool - embora muitos o tenham acusado disso; também não des-incentivava, pois essa questão (usar ou não usar) nunca foi um problema de sua filosofia.Em Mil Platôs ("Como criar para si um corpo sem órgãos"), Deleuze e Guattari mostram como é possível aproveitar-se dos procedimentos do alcoolátra, do esquizofrênico, do drogado, mesmo a partir da literatura, para cerzir um spatium e açoitar as intensidades; com isso, o corpo se abria  a novos devires, a experiências diferenciais. Contudo, o encontro propriamente fisiológico ou empírico do corpo com a substância química não seria realmente necessário. No mesmo texto, de Mil Platôs, Deleuze e Guattari escrevem que seria possível drogar-se sem droga e embriagar-se com água, como na experiência literária de Henry Miller. De toda forma, tudo sempre submetido a um princípio-chave em sua obra, que é o princípio da prudência: cuidado para não espantar os devires, atenção para não se dar a uma queda demente ou suicida. Aí está: vigiar, em nós, o fascista e o demente - submeter o desejo ao crivo seletivo do plano de imanência e à potência (virtu) virtuosa da prudência. Nunca se tratou de um código de normas de conduta - mas da delicadeza (perigosa, é certo) dos encontros intensos, das experiências.