A partir de hoje, de forma mais espaçada, trabalharemos muito sumariamente, e com uma doce irresponsabilidade, uma pequena série de posts relacionados à tentativa de demonstrar como se pode entrever uma atual cartografia das atuais teorias contemporâneas do direito como planos de organização produtores de transcendências. Não se trata de invalidá-las, pura e simplesmente, mas de esboçar, e recuperar, um gesto filosófico que Deleuze e Guattari diziam ser “o gesto supremo da filosofia” – mostrar que, apesar das ilusões da transcendência, dos universais, do eterno e da discursividade, o plano de imanência sempre esteve ali.
“É possível pensar sem transcendências?” – já me colocaram essa questão. Uma resposta muito precária a ela é: a questão é um falso problema. O que, efetivamente, especifica o gesto filosófico, a criação-descriação de conceitos, é a completa impossibilidade de se pensar (mesmo com transcendências) sem construir, contemporaneamente aos conceitos, um plano de imanência no qual o conceito se autopõe. Assim, temos uma forma de estriar um plano de imanência tanto em Nietzsche como em Heidegger, em Spinoza como em Kant – embora os primeiros lutem bravamente contra as transcendências que possam emergir de seus planos. Eis a prova de que é na imanência que nasce o pensamento – e a imanência não se restringe ao que é puramente atual, mas o engloba – por isso não é uma fuga do real, mas uma forma de cavar trincheiras e de constituir linhas de fuga, ou de ruptura – palavra que, subtraída pela filosofia deleuziana da literatura de F. S. Fitzgerald (The crack-up), em meio a reflexões sobre o álcool e a esquizofrenia, me soa menos confortável e mais desafiadora. Após essa introdução, que deveria ter sido breve, no próximo post, iremos diretamente ao quadro de inteligibilidade, à ideia geral, dessa cartografia que proponho. Os amigos e leitores que quiserem acompanhá-la passo-a-passo, estão convidados (inclusive a discutir nos comentários), e são muito bem-vindos.