1)
Todo projeto que dê às mulheres mais liberdades e opções de vida do que elas
dispõem hoje será sempre bem vindo; então, não sou eu quem vai desmerecer
nenhuma proposta de assistência social à mulher vítima de estupro; porém,
confundir o Estatuto do Nascituro com “uma proposta de assistência social à
mulher vítima de estupro” é um erro grave. Não é disso que se trata,
infelizmente.
2)
Toda a atenção da mídia e das pessoas nas redes sociais esteve voltada nos últimos dias ao
que tem sido chamado de "Bolsa-Estupro"; vi que mesmo alguns de meus
amigos e amigas feministas cederam à gramática do opressor; recusaram o “Bolsa-Estupro”.
Essa nomenclatura visa, estrategicamente, a deslocar nossa atenção do que
efetivamente está em jogo. Vocês bem o perceberam - mas não cedam à gramática do
poder. A assistência social não é, nem pode ser, o ponto central dessa
discussão.
3)
O PL 478/07 não atribui à mulher a liberdade de optar entre abortar nos casos
legais ou não, com assistência social e financeira do Estado no último caso. Ao lado da
criação de uma malha com aparência de proteção social, o texto do PL 478/07 criminaliza
até mesmo formas culposas de interrupção da gravidez (art. 23); criminaliza a
pesquisa com células-tronco embrionárias (art. 25); restringe a liberdade de
manifestação e de expressão do pensamento político (art. 28) e utiliza o Direito
Penal de forma sórdida e intolerável - como mecanismo de ortopedia moral (arts.
26 e 27). Sobretudo, impede-se o aborto axiologicamente (em “favor da vida”). O
art. 12 (longe do seio do núcleo penal do Projeto de Lei) pode, sem
dificuldades, sugerir a revogação tácita dos casos legais de aborto hoje
admitidos, como o aborto em caso de gravidez resultante de estupro, ou o
terapêutico.
Recusemos
– e agressivamente, se necessário – o Estatuto do Nascituro porque ele impõe à
mulher uma opção que só cabe a ela fazer; porque ele representa um retrocesso
desmedido em matéria de direitos e garantias fundamentais, como em matéria de
direitos reprodutivos e da mulher; porque ele criminaliza a interrupção da
gravidez de fetos anencéfalos, a utilização da pílula do dia seguinte (mesmo por mulheres estupradas), bem como a pesquisa com células-tronco.
Lembrem-se do conselho de Foucault: "não caia de amores pelo poder".
Recusemos as estratégias do poder e, com elas, também a sua gramática disforme, que não passa de um efeito do poder.
É
por isso que eu digo não ao Estatuto do Nascituro. Pelo direito de subtrair meu
próprio corpo aos cálculos do biopoder.
P.S.1:
antes de me xingar covardemente nos comentários, é mister ler o texto do
Estatuto do Nascituro ~ http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=443584&filename=PL+478/2007
P.S.2: Roga-se
não rezar nem antes, nem depois, nem com o Navalha de Dalí aberto. Grato.
P.S.3:
o blogueiro é ateu praticante, mas o blog é laico.