"isso vai dar repercussão"

06 maio, 2023

Isso vai dar repercussão (2004) é o título de um álbum do percussionista Naná Vasconcelos e do cantor, ator, baixista, compositor e poeta Itamar Assumpção. Pequena joia da genialidade negra brasileira. Ou, como diria um outro projeto de Itamar, joia da genialidade Pretobras.

Acabei me lembrando desse álbum - e vou levar seu título de "arrastão" para esse post. Vocês já vão entender o porquê.

Arrastão era a estética que Tom Zé reivindicava em Esteticar, faixa de Com defeito de fabricação (1998) - o álbum que me deu o dom de conhecer sua música no início dos anos 2000. Coincidência ou não, esse álbum explorava a possibilidade de os humanos se tornarem androides, mas defeitos "genéticos" - como o desejo de dançar - talvez pudessem impedi-lo. É o tema da sobrecodificação, do capitalismo mundial como força de organização de uma semiótica mista que afeta, conforma e conflagra territórios  existenciais. O álbum foi produzido, entre outros, por David Byrne - que poucos anos antes, havia descoberto Estudando o samba (1976) [Playlist], de Tom Zé, num sebo carioca, e mais tarde ajudaria a tirar Tom Zé tanto do ostracismo quanto da penúria.


Mas, cutting right to the chase, tudo isso importa porque esse post é quase um autoplágio - prática que é condenada e celebrada hipocritamente nos meios acadêmicos. Porque os que mais condenam o autoplágio são os que mais se autocitam.

Parece errado levar de arrastão uma coisa de si mesmo. Não é uma violação da lei da inovação, mas um ódio à própria possibilidade de repetir. E o paradoxo está precisamente aí:

- Nada de autoplágio. Esquentou a marmitinha de ideias uma vez, come logo. Está proibido requentar;

- Autocitação, tudo bem, mas moderadamente.

- Republicações, quem quer saber? (Spoiler: eu quero. Porque elas me dizem como um conjunto de ideais circula no regime de nonrivalry da informação).

Esse é um dos sistemas mais malucos que existem, o acadêmico. Porque impede de perseguir sadiamente aquilo que é a força do nosso trabalho: a obsessão. Impede que a pesquisa seja, também, uma clínica de si mesmo e dos outros. A força de obsessão é uma certa ideia fixa. Não era o narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas quem rogava: "Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa!"?

Uma ideia fixa nunca é uma ideia, e jamais é fixa. Ela esconde uma pluralidade de repetições discretas, íntimas, imperpectíveis. Uma série de deslocamentos insensíveis, de reviravoltas na maneira de perceber e de colocar problemas. Uma ideia fixa contém inumeráveis repetições capazes de fazer diferença (essa não era a definição de informação para Bateson? "Uma diferença que faz a diferença?").

Mas, claro, os sacanas das boas maneiras editoriais vão nos impor ler x, y, w, z, fazer todo um escarcéu da literatura secundária, inventar um cânone ali onde ele sequer existe como tal - e, talvez, até bendizer as repressões intelectuais, os quadradismos e o culto das formas científicas porque - sem o saber -, elas produzem fugas e deformidades que podem de fato se revelarem maravilhosas! Isso, é claro, quando não produzem mais do menos - o que, reconheçamos, é o mais frequente. É a doença de todo dia. O nome da patologia é "diferença que só produz repetição" (autocitação autolaudatória). A saúde - preciso dizer? - é o exato oposto (autoplágio, divergência no arrastão de si).

Mas por que divago?

Porque quero compartilhar alguns links com vocês. Celebrar a repetição em rede, que arrisca produzir mais com menos. São links para dois textos que vocês já conhecem:

A Edição n. 66 da Lugar Comum (UFRJ) acabou de republicar:

1. Chapação maquínica, alucinação estatística: pensar com o Chat GPT;

2. A entrevista com Bruno Cava, Carol Salomão e comigo, saída no IHU.

É um número, muito para além disso, fenomenal em si mesmo. E destaco (entre outros) os textos de Bárbara Szaniecki, o núcleo temático sobre IA - textos de Mathieu Corteel, Bruno Cava e Lucio Mello -, e o texto de Yann Moulier-Boutang sobre A grande demissão. E tem muito mais coisa nesse número que contou com o trabalho editorial da Carol Salomão.

Mas o mais interessante - e voltamos ao título desse post -, é como essa entrevista tem repercutido em meios de trabalhadorxs organizadxs e meios universitários muito heterogêneos para nós e entre si.  Até agora, isso (Ça?) "deu repercussão" no:

- Fórum Acidentes de Trabalho da USP-UNESP;
- Centro de Estudos Estratégicos da FioCruz;
- Democracia e mundo do trabalho em debate (pesquisadores independentres);
- Fetraconspar (Federação dos trabalhadores da Ind. e Com. do Paraná);
- Nova Central Sindical de Trabalhadores do Estado do Paraná; além, é claro, do IHU (Unisinos), a que somos muito gratos.

Então, podem escolher o link mais ergonômico para ler essa proliferação que, "logo menos", também chega na forma dos eps. #5 e #6 do podcast Chapação maquínica. E aproveitem para se perder entre as navegações do n. 66 da Lugar Comum.

Até lá, ou até logo ali!