Amour et psyche, de Picot.
Durante uma
madrugada, em uma crise de insônia como jamais tive, repentinamente assaltou-me
o tema: Luis Alberto Warat teria estado certo todo o tempo quando dizia que o
amor poderia constituir a mais sublime entrada para conversar sobre filosofia.
Não há filosofia sem criação e sem afeto, especialmente se o conceito é –
sobretudo - singularidade. E aos poucos surgia emocionalmente esse prurido e
esse desejo de falar sobre o amor, de relacionar o amor à filosofia, de falar
do meu amor pela filosofia, talvez, mas, sobretudo, de ensinar esse amor tão
singular, tão difícil, tão árido, destemperado e louco, a meus alunos.
Deleuze
dissera certa vez que a única relação que um professor pode ter com seus alunos
é reconciliá-los com sua própria solidão, e estar sozinho, eis o mais difícil
do amor; estar sozinho mesmo acompanhado, reconciliar-se consigo, instaurar uma
relação consigo que dissolva o ego, que faça do eu uma singularidade impessoal.
Por certo, a filosofia está cheia desses nomes próprios, como quem diz “Descartes”,
ou “Kant”, ou “Hegel” ou “Nietzsche”, e se imagina falando de um eu; engana-se;
o filósofo não é um eu, o filósofo é um outro, é um animal à espreita, é um
criador, é um falsário, um ilusionista, um canalha a quem amar.
Na
filosofia, como no amor, está instaurado de antemão o problema da alteridade:
como conectar-se com os outros? Como entrar em conjunção com os outros? Não é
essa a pergunta que instaura a filosofia, mas também a demanda amorosa? A
questão que oferecia a Bergson, por exemplo, o seu método metafísico por
excelência: metafísica é questão de intuição, de entrar na coisa, de penetrar a intimidade estranha de tudo o que
constitui o absolutamente outro – uma forma de transformar, como quisera Oswald
de Andrade, tabu em totem, recusar o estado de graça e retornar ao estado de
inocência: a comunhão da diferença, a comunhão de dois irredutíveis;
finalmente, quando o uno é visto como um dos modos do em-dois.