Defender-se
Michel
Foucault
[Tradução de Murilo Duarte Costa
Corrêa]
1 – Evitemos de imediato o requentado problema
do reformismo e do anti-reformismo. Não nos encarregamos de instituições que
precisam ser transformadas. Temos de nos defender na medida em que, e tão bem
quanto, as instituições sejam impedidas de se reformarem. A iniciativa deve vir
de nós, não sob a forma do programa, mas sob a forma do colocar em questão e
sob a forma da ação.
2- Não é porque há leis, não é porque
eu tenho direitos que eu estou habilitado a me defender; é na medida em que eu
me defendo que meus direitos existem e a lei me respeita. É, antes, toda a
dinâmica da defesa que pode dar às leis e aos direitos um valor, para nós,
indispensável. O direito não é nada se não é vivificado na defesa que o provoca; e
apenas a defesa atribui, validamente, força à lei.
3- Na expressão “Defender-se”, o
pronome reflexivo é capital. Trata-se, com efeito, de inscrever a vida , a
existência, a subjetividade e a realidade mesma do indivíduo na prática do
direito. Defender-se não quer dizer se autodefender. A autodefesa significa
querer fazer justiça a si mesmo, quer dizer identificar-se com uma instância de
poder e prolongar, baseado em sua própria autoridade, suas ações. Defender-se,
ao contrário, é recusar-se ao jogo das instâncias de poder e servir-se do
direito para limitar suas ações. Assim entendida, a defesa é um valor absoluto.
Ela não seria limitada ou desarmada pelo fato de que a situação fora outrora
pior, ou poderia ser melhor mais tarde. Não nos defendemos senão no presente: o
inaceitável não é relativo.
4 – Defender-se demanda, pois, a um só
tempo, uma atividade, alguns instrumentos e uma reflexão. Uma atividade: não se
trata de encarregar-se da defesa da viúva e do órfão, mas de fazer com que as
vontades de se defender existentes possam vir à luz. A reflexão: defender-se é
um trabalho que demanda análise prática e teórica. Para ele, é preciso efetivo
conhecimento de uma realidade por vezes complexa, que nenhum voluntarismo pode
desagregar. É preciso, em seguida, um retorno sobre as ações realizadas, uma
memória que as conserva, uma informação que as comunica e um ponto de vista que
as coloca em relação com outras. Nós certamente deixaremos a outros a tarefa de
denunciar “os intelectuais”. Instrumentos: não se os encontram totalmente
acabados nas leis, nos direitos e nas instituições existentes, mas em uma
utilização desses dados que a dinâmica da defesa tornará inovadora.
Sobre: “Se Défendre” é um texto inédito
de Michel Foucault no qual se apresenta uma síntese de suas relações com a
legalidade, os direitos e as instituições, publicado por Courant Alternatif, e disponível no original no seguinte endereço: http://www.cip-idf.org/article.php3?id_article=6191